Levamos a procurar as causas da civilização para

reverenciá-las como se fossem deuses... Engraçado!

É como se a civilização tivesse sido boa e

nos tivesse dado a felicidade!

Lima Barreto

Apresentação

A palavra “marginália” deriva do termo latino "marginalia" que significa "coisas escritas na margem" (Houaiss, 2003), também é o título de uma coletânea de crônicas e artigos escritos por Lima Barreto ao longo de sua carreira como jornalista e escritor, entre 1911 e 1922, publicada postumamente, Marginália (1953). Intelectual pobre, negro e suburbano, Barreto usou o espaço jornalístico para criticar os problemas políticos e as desigualdades socioeconômicas da realidade brasileira, além de ressaltar a deficiência intelectual dos homens que exerciam cargo de poder no país. Como ele afirma no artigo “Elogio da Morte”: “Não há, entre nós, campo para as grandes batalhas de espírito e inteligência. Tudo aqui é feito com o dinheiro e os títulos. A agitação de uma ideia não repercute na massa e quando esta sabe que se trata de contrariar uma pessoa poderosa, trata o agitador de louco. Estou cansado de dizer que os malucos foram os reformadores do mundo” (BARRETO, Domínio Público). No artigo “A política republicana” (A.B.C., 19-10-1918), o escritor ressalta mais uma vez a ausência de inteligência da burguesia que tomou o poder: “Não gosto, nem trato de política. Não há assunto que mais me repugne do que aquilo que se chama habitualmente política. Eu a encaro, como todo o povo a vê, isto é, um ajuntamento de piratas mais ou menos diplomados que exploram a desgraça e a miséria dos humildes”.

Nessas citações de Lima Barreto, notamos como ele se coloca ao lado dos marginalizados que sofriam/sofrem com o descaso público. São vivências de mulheres e homens brasileiros, num contexto histórico-social-econômico-cultural, marcadas pelo colonialismo, desencadeando, desse modo, a colonialidade do poder, do saber e do ser no Brasil, estendendo para América Latina. Nesse sentido, os membros do marginalia, por meio de debates multidisciplinares, interseccionais e de uma perspectiva decolonial, incorporam em suas análises literárias, históricas, sociais, políticas, econômicas, culturais, filosóficas, geográficas, arquitetônicas, psicanalíticas, antropológicas, educacionais e sociojurídicas marcadores como gênero, raça/étnica, classe, sexualidades, identidades, territorialidade/desterritorialidade, linguagem, nacionalidade, geopolítica, dentre outros.

O grupo de pesquisa marginalia surgiu como proposta para aproximar os debates de dois grupos de pesquisa, Grupo de Estudos e de Pesquisa Literatura, História e Imprensa (GEPELHI) e Grupo de Pesquisa Gênero, Raça e Sexualidades (GERS), o primeiro coordenado pela professora Cristiane Navarrete Tolomei, da Universidade Federal do Maranhão, e o segundo pela professora Flávia Andrea Rodrigues Benfatti, da Universidade Federal de Uberlândia.

O GEPELHI atuou de 2015 a 2020 preocupado com a identificação e organização em meio impresso e digital de jornais e revistas circunscritos ao território brasileiro ou estrangeiro vinculados por identidades visíveis (ideológicas, literárias e outras) e por um espaço temporal especificado. Por isso, ele estava organizado em duas atividades distintas e articuladas: pesquisa de fontes em periódicos maranhenses, brasileiros e estrangeiros de língua portuguesa relacionados a um momento histórico (séculos XIX e XX) e a formação de um acervo de periódicos (tanto convencional quanto digital) dos dados colhidos. Assim, o grupo contou com apoio da FAPEMA para dois projetos, além de bolsas de iniciação científica pela própria fundação do Maranhão, quanto pelo CNPq. Por ele atuaram mais de seis pesquisadores e 20 alunos desde a data de sua criação, membros que publicaram em anais de eventos, revistas e livros, organizaram eventos e apresentaram comunicações dentro do país e em Portugal. Mesmo com uma atuação ativa, o grupo encerrou suas atividades da proposta inicial para unir-se ao Grupo de Pesquisa marginalia, o qual é multidisciplinar e estuda a interseccionalidade e a decolonialidade em diferentes categorias.

O GERS atua desde 2016 com o objetivo de proporcionar reflexões acerca das temáticas de gênero, raça/etnia e sexualidades a partir das teorias decoloniais, pretendendo despertar nos pesquisadores olhares críticos para as diferenciações entre as femininidades e as masculinidades no contexto literário com implicações sócio-político-culturais e de poder nas relações que envolvem as temáticas citadas.

Durante o segundo semestre de 2020, as discussões do GEPELHI contemplaram os mesmos interesses do GERS, em virtude disso, o marginalia passa a contar com a coordenação de Cristiane Navarrete Tolomei e Flávia Andrea Rodrigues Benfatti a partir de fevereiro de 2021. Além disso, o GERS recebe a professora Cristiane Tolomei como vice-líder, o que consolida ainda mais as pesquisas em torno dos estudos decoloniais.

Com membros de diferentes áreas e instituições nacionais e internacionais, o marginalia objetiva situar uma proposta metodológica inovadora na aplicação dos estudos decoloniais, consolidando-a e divulgando-a como prática de pesquisa que surge para desraizar metodologias científicas de origem eurocêntrica e de modelo tradicional de pesquisa. Logo, há neste grupo uma valorização das subjetividades e identidades locais marginalizadas pela lógica colonial na América Latina, sobretudo, no Brasil.

Enfim, tal qual Lima Barreto em Marginália, trazemos as vozes daquelas e daqueles que estavam/estão à margem, fora da história oficial e do campo do poder, tendo suprimidos sua humanidade, seus direitos e os discursos de suas próprias vidas.